O Necronauta, personagem do quadrinista Danilo Beyruyh, ajuda almas desgarradas a completarem a passagem para o outro lado. O conhecimento dessa habilidade talvez explique a facilidade com que o próprio Beyruth conseguiu transportar para outro plano a essência do personagem Astronauta, de Maurício de Sousa, na Graphic Novel Astronauta Magnetar, primeiro título do selo Graphic MSP a chegar às bancas brasileiras.
“Filhas” da trilogia MSP50, que em três edições deu liberdade a artistas de todo o país para trabalharem histórias curtas com os personagens do pai da Mônica, as Graphic MSP são a nova aposta da Maurício de Sousa Editora e da Panini Comics visando a um público mais maduro. E uma aposta certeira, a julgar por este trabalho inicial.
Em quase 70 páginas de história – a edição tem 82, que incluem diversos extras – o leitor acompanha uma aventura caprichada, elaborada por Beyruth. Impossível não lembrar do Surfista Prateado desenhado por Moebius ao ver os grandes painéis do herói no espaço, que ganham mais força com as cores de Cris Peter.
E não é só a beleza dos desenhos que merece destaque, como também as sacadas do autor em relação ao personagem original, entre as quais o design da “nave bola” e os diversos uniformes que Astro tem à sua disposição.
Mas há mais do Surfista Prateado no Astronauta, afinal três anos antes de Stan Lee criar o personagem para a Marvel, o cosmonauta brasileiro já convivia com a solidão do espaço. Ainda que Maurício tenha desenvolvido Astronauta Pereira (“é o nome dêle mesmo”, informa a reprodução da estreia do herói em 1963 inclusa no álbum) com uma verve mais cômica, o sofrimento por estar longe de casa e a filosofia sempre estiveram presentes nas HQs do personagem. Danilo Beyruth, como diz o próprio Maurício na introdução da Graphic Novel, “elevou o tom”.
Em uma história cheia de referências astronômicas bem pesquisadas, o explorador espacial vai pesquisar o fenômeno do Magnetar, um campo magnético que se forma após a formação de uma estrela de nêutrons ou, em outra interpretação, um estágio da morte de uma estrela. Por um erro bobo, o herói acaba tendo sua nave parcialmente destruída e se vê na condição inesperada de um náufrago espacial.
“A solidão é a parte que eu mais me identifico. Todo artista sente solidão no processo de criação, isso é natural. Pensava que isso era uma coisa minha, mas as pessoas que leem a HQ pela primeira vez falam disso de um jeito bem emocional”, diz Beyruth, que revela inclusive ter pesquisado sobre a biografia de Amyr Klink e outros navegadores que passavam muito tempo sozinhos no mar para compor a história (não é a toa que o próprio Klink assina nota de apresentação na contracapa do livro).
Se no começo Astronauta desenvolve rotinas e cria equipamentos com o que tem no melhor estilo “Robinsons Suiços” (ou Apollo 13, uma referência mais adequada), aos poucos a solidão, os delírios e a loucura acabam dominando o cenário e é deles e das memórias de infância – cuidadosamente trabalhadas por Beyruth no prólogo da aventura – que surge a solução desesperada.
E o final é tão típico das páginas dos quadrinhos originais, que o sentimento do leitor vai além da satisfação de ver o personagem trabalhado em uma “HQ madura”: há uma espécie de felicidade nostálgica ao confirmar que aquele sujeito ali, em outro traço, aventureiro, sci-fi, “adulto”, continua sendo em sua essência o mesmo Astronauta de sempre. Com respeito à obra de Maurício e inteligência, Beyruth criou uma aventura que promete agradar tanto os fãs de aventuras de ficção científica quanto os leitores mais tradicionais do pai da Turma da Mônica.
Nas páginas finais da edição, há uma minibiografia do autor, que registra alguns agradecimentos a pessoas sem as quais não poderia ter feito a história (entre elas, o astrônomo Eduardo Cypriano). Ao mencionar Maurício de Sousa, Beyruth agradece pelo “empréstimo dos brinquedos”.
Maurício, com certeza, deve ter ficado feliz em emprestá-los, afinal – para a alegria dos leitores – Beyruth realmente soube brincar com eles.
A expectativa agora fica por conta das próximas novels, pois se Magnetar servir como modelo, a nova linha de revistas da MSP/Panini tem grandes chances de, com o perdão do trocadilho “espacial”, audaciosamente atingir patamares onde nenhuma Graphic Novel nacional jamais esteve…
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