Abril desiste dos Super-Heróis

Mundo HQ

Crônica de Uma Morte Anunciada: Abril desiste dos Super-Heróis

DELFIN, especial para o MundoHQ

No dia 7 de junho morreu Waldyr Igayara de Souza. O Iga, como era conhecido pelos amigos, além de ter criado as revistas infantis Recreio e Alegria e o famoso Paulistinha, foi diretor editorial da editora Abril por vinte anos. Foi pelas mãos dele que passou o ousado projeto: publicar super-heróis na editora. Pelas suas mãos passaram os maiores paladinos da justiça dos quadrinhos: os heróis da DC Comics e da Marvel. E, talvez felizmente, ele não esteja hoje aqui para ver o triste fim do trabalho que começou. Sim, essa é a mais pura verdade, doa a quem doer: após um amplo trabalho formando uma nova geração de leitores (entre as quais eu me incluo), de repente tudo acabou. A Edi-tora Abril, a maior do país, decidiu cancelar seus investimentos na maior linha de super-heróis que ainda detinha, a da DC Comics.
Super-Homem, Batman, Lanterna Verde, Mulher Maravilha, entre centenas de outros, praticamente abandonam as bancas do país daqui a um mês. Foi uma decisão tomada do nada? Se você buscar pelos sinais, verá que não foi. Há alguns anos, se percebeu que o público leitor de quadrinhos não se amplificava. O último pico de ganho de leitores datava dos meados da década de 90, com o lançamento do arrasa-quarteirão Spawn, história que, após dezenas de edições, pouco privilegia o roteiro e mantém apenas o mesmo círculo de fãs.
A Abril se via defronte ao "Fator Tex": os leitores de quadrinhos eram fiéis, mas não aumentavam mais. Ou seja, os leitores estavam envelhecendo e o mercado não se renovava. E resolveu seguir o mesmo caminho que a Bonelli italiana tomou em relação a seu mais famoso personagem: apostou nos leitores mais fiéis ao invés de investir numa amplificação de mercado. Segundo Jotapê Martins, editor da Via Lettera e maior tradutor das revistas de heróis da Abril, desde o surgimento destas revistas denominadas Premiuns (mais caras e com maior qualidade gráfica) ficou evidente que as coisas não iam bem, pois o processo foi abrupto e a decisão em se optar por este tipo de publicação foi tomada em cima da hora.
"Cinco meses antes, a Abril havia tentado um barateamento de sua linha de formatinhos", explica Jotapê. "Eles, na época, custavam R$2,50. Foram feitas experiências em que o gibis foram vendidos em algumas cidades-teste por R$1,00 e R$1,50. O resultado do experimento foi frustrante. Como resultado, em vez de baratear, em março daquele ano, os gibis aumentaram de R$2,50 para R$3,50".
Para Jotapê, o processo de mudança das publicações sinalizou a postura da Abril em relação aos super-heróis. "Se tivesse havido planejamento, a Abril jamais teria aumentado seus formatinhos dois meses antes de lançar a linha premium. Pra mim, esse foi o sinal de que estava havendo uma mudança de orientação na editora. A linha Premium foi uma solução de compromisso, uma derradeira tentativa de manter o gênero super-heróis na editora. A direção da Abril já não estava mais disposta como antes em investir no gênero", conclui Martins.
Para Leandro Luigi Del Manto, sócio da Pandora Books e ex-editor da redação de super-heróis da Abril, a culpa não é do mercado, dos leitores ou da concorrência. "A Abril cavou sua própria cova quando decidiu lançar a sua tão ‘inovadora e ousada’ linha Premium, deixando na mão o leitor comum (de baixo poder aquisitivo) e elitizando de vez o seu público com revistas vistosas, mas caras demais", alfineta Del Manto.
Mas provavelmente o golpe final nas tentativas da Abril em sustentar sua linha de heróis tenha sido a perda dos direitos sobre a Marvel, que passou para as mãos da Panini, que controla munidalmente os negócios da editora americana. Del Manto liga este dado à mudança de posicionamento que acabou com a linha especial, e ainda ressalta que faltou bom senso com a volta do formatinho após dois anos de gibis caros: "De repente, a Abril se vê sem a linha de super-heróis da Marvel, que sempre foi a que melhor vendeu nesses anos todos. O que fazer com o que sobrou, ou seja, a DC? Depois de ter jogado seus leitores mais ‘populares’ no esquecimento, a Abril resolve lançar uma linha de cinco títulos quinzenais DC em formatinho a preços mais do que convidativos, nadando totalmente contra a maré da linha Premium e buscando um leitor que não existia mais".

Já Sérgio Codespoti, jornalista especializado em quadrinhos, faz questão de lembrar da importância da editora ao longo dos anos, apesar dos erros recentes que levaram ao fim das publicações de heróis: "Acho que esta morte anunciada se prolongou bastante, afinal pou-ca gente acreditava que a linha premium pudesse sobreviver por tanto tempo. A perda da Marvel e a mudança de formato da linha DC foi simplesmente o último suspiro. O triste é que isso é péssimo para o mercado. Apenas os leitores mais novos e os mais radicais podem estar satisfeitos com esta situação. Quem cresceu lendo Abril desde os tempos das velhas revistas Heróis da TV e Superaventuras Marvel, quem viu a Abril iniciar seu trabalho com a DC, ou até a aquela ótima fase com graphic novels e minisséries todas as semanas nas bancas, na década de 80, só pode ficar triste".

E é realmente uma pena. Os grandes eventos, os esperados lançamentos, as boas surpresas editoriais de uma época mais inocente e com menos informações são, por enquanto, coisa do passado. Tudo que se pode esperar é que o mito da DC se reerga das sombras, voltando a combater o mal em todas as suas formas. E, é claro, vencer a batalha contra estes novos inimigos.

O futuro, a quem pertence?

A grande pergunta que se faz agora é: alguém reiniciará a publicação dos heróis DC? Apesar de ainda ser cedo para saber, já se pode cogitar algumas possibilidades. Mas que se esclareça desde já que são apenas probabilidades, mesmo porque ainda não se sabe se o contrato anunciado de exclusividade entre DC e Abril assinado há menos de duas semanas ainda possui validade com o encerramento da publicação da linha no país. Por três dias o MundoHQ tentou falar com Sérgio Figueiredo, responsável pelas publi-cações canceladas, para conseguir maiores explicações, mas não houve nenhum retorno das ligações.
De concreto mesmo, apenas a nota oficial do dia 4, informando o mercado sobre o fato. Restou considerar as possibilidades existentes. Será que a Brainstore, que atualmente é a única a publicar revistas mensais da DC no país, é a herdeira natural? Talvez, mas o editor Eloyr Pacheco diz que o planejamento feito no início do ano não será alterado. Para ele, o atual ‘boom’ dos quadrinhos, com grande oferta de títulos em banca, é ilusório, pois o mercado está ficando enxuto, recessivo, com preços de gráfica subindo todo mês.

E, além disso, Pacheco ressalta que é necessário que as pequenas editoras precisam botar o pé no chão, pois são muitas casas brigando por um número minguante de leitores. Talvez, então, seja a Ópera Graphica, que já publica materiais DC, Vertigo e Wildstorm. Franco de Rosa, responsável pela editora, é a pessoa que nos dá as informações mais concretas. Segundo ele, uma proposta foi feita nos últimos dias para a ampliação de sete para quinze títulos mensais e com planeja-mento até dezembro de 2003. Mas confessa ainda não saber como a Character, empresa licenciadora da DC no Brasil, vai se comportar ante a propostas de outras editoras, que certamente virão.

Mas os olhos dos fãs se voltaram de imediato foi para a Conrad, editora que vem realizando um trabalho muito coerente e bem feito com a popularização de mangás no país e já publicou materiais da linha adulta da DC, a Vertigo. Mas Sidney Gusman, editor da Conrad, além de lamentar a posição da Abril, prefere deixar os leitores no suspense e ilustrar a indefinição do mercado: "A respeito dos boatos, isso é natural, em virtude do crescimento da Conrad nos últimos anos; e fico feliz, pois isso atesta a qualidade do trabalho realizado pela editora. No entanto, até o momento nada está definido. Modificando um pouco o bordão de um personagem bem famoso da DC, posso dizer que nem mesmo o Sombra sabe…"

Declaração Oficial São Paulo, 4/7/2002 – Apesar de algumas vozes apregoarem o contrário, a Editora Abril fez o possível e o impossível para manter viva a chama dos Heróis DC no Brasil. Infelizmente, nossos esforços não surtiram efeito, não por questões editoriais, mas sim exclusivamente por conta da si-tuação do mercado. A editora Abril está cancelando sua linha de publicações DC a partir de julho (nas bancas, edições 5 da revistas Planeta DC). A única publicação que ainda será lançada é a última parte de Cavaleiro das Trevas II de Frank Miller que atrasou devido ao próprio autor. A editora Abril reafirma que utilizou todos os seus recursos disponíveis nas circunstâncias para recuperar os volumes de venda que os quadrinhos tinham na década de 90, mas, paradoxalmente, o explosivo aumento nas bilheterias de filmes de super-heróis como Homem-Aranha não se refletiu nas vendas de gibis. O relacionamento comercial com a DC Comics ao longo de dezoito anos foi sempre firme e estável, e a editora americana compreende a situação. A própria Abril recomenda que esta operação de quadrinhos de heróis seja conduzida agora por uma outra editora de pequeno porte, a qual provavelmente lidará melhor com este nicho de mercado. A rede de distribuição do grupo Abril continuará de portas abertas para os produtos desta honrada casa de super-heróis. Agradecemos a todos os leitores, colaboradores, tradutores e desenhistas que estiveram conosco nesta jornada de quase duas décadas. E torcemos para que a asa do Morcego e o em-blema do Homem de Aço continuem nos corações e mentes das crianças e jovens brasileiros.

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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