Em meados de 2009, Xaveco se tornou o primeiro personagem da Turma da Mônica a ser filho de pais divorciados. De maneira leve e até divertida, pelas mãos do hábil roteirista Emerson de Abreu, seu Xavier e Dona Xarlene (que no início não tinham sequer nome, isso veio depois) foram mostrados como um casal que morava em casas separadas, mas permaneciam amigos um do outro.
Desta forma, dentro das HQs o eterno (e cada vez menos) personagem secundário ganhou histórias hilárias quando passava os finais de semana com o pai ou quando ele vinha até a casa da mãe consertar coisas, por exemplo. E no dia a dia, já que morava na casa com Xarlene e a irmã mais velha, Xabéu, a vida seguida normal.
Neste sentido, fora das histórias quem ganhou foram os leitores. Apesar de uma certa polêmica de uma ala mais conservadora, como já lembrou o próprio Emerson Abreu em seu blog, milhares de crianças que liam a Turma da Mônica eram filhas de casais separados e, até então, não se identificam ou se viam refletidas na turminha. Com Xaveco, isso mudou.
“Muita gente dizia que era um absurdo abordar um tema tão polêmico numa revista voltada ao público infantil. Em contrapartida, as mães separadas elogiaram a iniciativa porque seus filhos sentiam-se alienados lendo as histórias da Mônica, onde toda família era perfeita e todo mundo tinha pai e mãe”, relembra Abreu.
Pois em Xaveco: Vitória, 38º título da linha Graphic MSP, a história se repete. Ou melhor, evolui: mais uma vez de maneira leve, divertida e essencial, o tema divórcio é abordado. E agora, pelas mãos do roteirista e desenhista Guilherme de Sousa, o foco é como se sentem as crianças após um divórcio recente. Isso porque, apesar de Xavier e Xarlene serem amigos e um exemplo de cuidado e preocupação com os filhos, nem sempre o excesso de cuidado com as informações às que as crianças têm acesso se mostra saudável…
Um coadjuvante de 60 anos
Antes de falar da Graphic MSP em si, vale lembrar um pouco da história de Xaveco, personagem que completou 60 anos agora em 2023. Ele apareceu pela primeira vez em uma tirinha do Cebolinha, na Folha de São Paulo, em junho de 1963, ainda sem nome e sem direito sequer a balão de fala. Em dezembro do mesmo ano, voltou com direito a se manifestar e a um nome: “Chaveco”, com CH mesmo, porque – segundo Maurício de Sousa – o cabelo tinha forma de uma chave. Posteriormente, a grafia seria alterada para começar com X.
Fato é que por décadas pouco se prestava atenção ao nome ou ao personagem, claramente um secundário que aparecia pra fazer “escada” quando Cebolinha, Cascão e companhia precisavam de “mais um” na história. Nos anos de 1990, porém, os roteiristas que trabalhavam na Maurício de Sousa Produções começaram a fazer piada justamente com o fato de Xaveco ser coadjuvante. O tempo todo isso era razão de “zoeira” dos demais dentro das próprias histórias. A ideia foi aceita e adorada pelos leitores.
E subiu de patamar em 2004, em uma HQ também roteirizada por Emerson Abreu (que, não custa lembrar, também foi o principal responsável por elevar o status de outra até então personagem secundária, a maluquete Denise). Na história “Barraco entre Famílias”, a família do Cebolinha é selecionada para participar de um programa de TV desses em que é realizada uma disputa de conhecimento e habilidades entre duas famílias. Os oponentes são justamente Xaveco, os pais e a irmã – que na época nem nome tinham.
Os Cebola estão certos de que irão vencer, afinal, “são personagens principais” contra uma família secundária. Mas acabam perdendo feio. Enquanto a família de Xaveco ganha uma mansão e um cruzeiro, Cebolinha volta pra casa com um “rádio relógio gago” e “uma chinchila manca” (animalzinho que anos depois renderia mais uma bela HQ do menino de cinco fios de cabelo com o próprio Xaveco).
Enfim, ainda que continuasse a ser um secundário, Xaveco foi continuamente crescendo como personagem e ganhando mais fãs. Além disso, mesmo sem ter um título próprio, passou a aparecer cada vez em mais histórias e ganhou pelo menos três gibis especiais, entre os quais um ao lado da irmã Xabéu e outro com Denise, apropriadamente intitulado de “Secundários Favoritos”. Nesse tempo também ficou consolidado o fato de ser filho de pais divorciados, algo que nunca havia sido aprofundado. Até agora.
Vitória
Xaveco: Vitória poderia ser mais uma HQ divertida que apenas se apoia no fato do personagem título ser secundário. E a princípio pode parecer ser só isso mesmo. Cansado de ser sempre o segundo – como ele mesmo relembra, segundo filho, player 2, segundo melhor amigo, reserva no time e por aí afora – Xaveco ganha novo ânimo quando descobre que é bom de corrida. E a partir daí começa a se dedicar ao esporte, certo de que agora será mesmo o número 1.
Guilherme de Sousa costura esse argumento com uma maestria ímpar, trazendo para dentro da história piadas ótimas, diversas referências ao histórico do personagem (como o “erro” na camisa de corrida no qual o nome é grafado com CH, como era lá em 1963), participações de inúmeros personagens da turminha, referências à cultura pop e a outros gibis e Graphics MSP – entre as quais a também excelente Denise: Arraso.
Para a delícia dos fãs, tem até mesmo um verdadeiro barraco em família durante o jantar da família Lorota (sim, esse é o sobrenome do Xaveco, porque desgraça pouca é bobagem). Com direito a participação da insana vó Xepa, que aqui ganhou revelações sobre um passado desconhecido.
Isso tudo embalado nos desenhos adoráveis de Sousa (Guilherme não tem parentesco com Maurício, apesar do sobrenome), autor que vem se destacando bem nos últimos anos. Não custa lembrar que ele venceu o HQ Mix 2021 na categoria “Melhor Publicação Independente de Edição Única”, com Cansei de ser Monstro, e neste mesmo ano de 2023 foi finalista do Prêmio Geek de Literatura da Amazon com Trabalho de História.
Se parasse por aí, Vitória já seria candidata a melhor HQ do ano. Mas acontece que toda a história tem como pano de fundo justamente o divórcio dos pais. Xavier e Xarlene têm uma relação bem resolvida entre si, continuam amigos e torcendo um pelo outro. Porém nem tudo é dito às crianças, que interpretam os fatos de acordo com o que sabem.
Assim, Xaveco começa achar – como boa parte dos filhos de casais separados – que o casamento vai ser reatado, que a presença constante do pai em casa (e do fato de ele se dar agora muito bem com a mãe) é um claro sinal disso.
E Xabéu, por sua vez, está agindo como uma adolescente revoltada e a mãe não suspeita que a razão por trás da revolta está justamente em algo que a menina viu na nova vida de solteira da própria Xarlene. Algo com o qual não sabe como lidar.
Mais ainda, a história mostra, com direito a uma bela referência a um clássico do cinema, que Xaveco não se vê apenas como o segundo em tudo: ele se sente invisível na família.
Dito desta forma, alguém pode pensar que a história é pesada. Mas o mérito (um dos) de Vitória é justamente conseguir tratar tudo isso com leveza e desatar os nós que propõe de maneira simples e verossímil.
Sim, o final é feliz, com direito a uma boa moral da história e a confirmação de algo que os fãs de Xaveco já sabem há muito tempo: ele pode não ser o número 1, mas com certeza é um vencedor.
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