Há algo muito perturbador em Sweet Tooth, série da linha Vertigo que a Panini acaba de lançar no Brasil (o primeiro volume, Depois do Apocalipse: saindo da mata, tem 132 páginas está à venda por R$ 15,90). A mistura exótica das crianças híbridas de humanos e animais, acentuada pelos desenho em traços crus do canadense Jeff Lemire com certeza tem muito a ver com isso. Mas não é só.
O que realmente mexe com os nervos do leitor da série é o personagem principal, o menino-cervo Gus, que acertadamente é um misto de gamo. Conforme se desenrola o roteiro desta primeira edição de Sweet Tooth, o leitor realmente identifica no garoto a ingenuidade do animal que fica paralisado ao ver as luzes de um automóvel e pressente que algo está errado, mas é incapaz de se mover e fugir de um destino cruel.
A história de Sweet Tooth se passa em um futuro apocalíptico, no qual uma praga eliminou boa parte da humanidade. Desde que a tragédia ocorreu, homens e mulheres morrem aos milhares. As poucas crianças que nasceram são imunes à tal praga, mas também são híbridas, misturas de gente com os mais diversos animais.
Gus, um menino de nove anos, tem orelhas e chifres de cervo, e vive com o pai – que por sua vez está lentamente agonizando com a doença e teme pelo futuro do filho. Criado entre o medo e os delírios e radicalismos religiosos do pai, Gus tem pouca noção do mundo e vive com a única certeza que não deve sair da mata onde fica a cabana paterna, pois além dela só há fogo e pecados.
Quando o pai do garoto morre, porém, ele acaba se vendo cercado por dois caçadores e é salvo por um sujeito misterioso (e letal) chamado Tommy Jepperd. Um parêntese: o visual de Jepperd é inspirado no personagem Justiceiro, e não é só o visual, o sujeito também é uma máquina de matar.
Jepperd então propõe levar o garoto até um lugar mítico, uma reserva, onde as crianças como ele vivem em paz. É claro que chegar até aquele local não é fácil, é preciso atravessar cidades devastadas e escapar de caçadores, para não mencionar situações inesperadas, como um encontro com um casal que explora moças de diversas idades como prostitutas – as primeiras mulheres vistas por Gus, que mal se lembra da mãe. Em tempo: Jepperd apelida o garoto de Sweet Tooth (na versão brasileira, “Bico Doce”), em virtude da paixão do garoto por chocolates.
Conforme a viagem vai avançando, inúmeros fatos deixam claro que Jepperd pode não estar levando Gus para nenhuma salvação. E o garoto-gamo, a cada passo, parece ter uma percepção de que algo realmente pode estar errado, mas ingenuamente acredita em tudo o que seu suposto protetor lhe diz.
Da mesma forma que Gus parece um animal paralisado ante a luz do carro que se aproxima, Jepperd também dá mostras de que seu coração de caçador pode estar se amolecendo frente aos grandes olhos do garoto. Mas, se isso realmente vai acontecer, o leitor só descobrirá nos próximos números da série. Neste, o fim previsível é inevitável, ainda que a cada minuto o leitor torça para que Gus, de alguma forma, esteja certo.
Apelidado maldosamente por alguns de “mistura de Bambi com Mad Max”, Sweet Tooth rendeu a Jeff Lemire uma indicação ao prêmio Eisner 2012, o maior da indústria dos quadrinhos. E com certeza vai render ao leitor uma boa leitura (e alguns momentos de aflição).
(publicado em 21/12/2012)
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