Vira e mexe a expressão “quebrar a quarta parede” aparece se referindo a Histórias em Quadrinhos ou a personagens específicos. Cada vez que sai um dos filmes de Deadpool, por exemplo, alguém obrigatoriamente se refere ao fato que o personagem faz isso constantemente, seja nos longas – três até o momento – ou nas HQs.
Criado em 1991 pela dupla Rob Liefield e Fabian Nicieza, o mercenário tagarela é – provavelmente – o personagem de quadrinhos mais famoso por quebrar a quarta parede, ou seja, conversar com o público leitor/expectador(e ter consciência que este público existe). Uma característica que, curiosamente, Deadpool não tinha nos seis primeiros anos de vida: foi só em 1997 que o argumentista Joe Kelly introduziu a ideia do personagem se dirigir ao leitor durante as histórias, e a partir daquele ponto ele não parou mais de fazer isso.
A expressão “quebrar a quarta parede”, porém, foi importada para as HQs e para outras mídias – como o cinema – diretamente do teatro. Apesar de desde a Grécia antiga as peças promoverem a interação com o público, a partir do século XVI começou a imperar nos palcos o conceito de que, uma vez aberta a cortina, os personagens vividos pelos atores viviam as próprias vidas e não sabiam da existência do público.
Era como se, além das “três paredes” visíveis que delimitavam o espaço do palco, houvesse uma quarta parede invisível que possibilitava ao público ver o que estava acontecendo na “vida” dos personagens, mas ao mesmo tempo impedia que os personagens enxergassem o público. Eis a tal quarta parede.
Ocorre que, em meados de 1920, dramaturgos como Bertold Brech começaram a elaborar personagens que, em determinado ponto da história, quebravam a tal quarta parede. E conversavam com público, expondo as próprias ideias, questionamentos ou, até mesmo, usando o recurso como efeito cômico.
O mesmo começou a ocorrer no cinema, onde um dos primeiros registros data de 1918, de um filme mudo (!). Em Homens que Fizeram Amor Comigo, a atriz Mary Mclane interrompe as vinhetas para se dirigir diretamente ao público. Desde então não faltaram filmes (ou seriados de TV) utilizando o recurso das mais diversas formas, daqueles que se popularizaram por isso – como Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off, de 1986) a House of Cards (2013) – aos que brincaram inteligentemente com ele, como O Show de Truman (1998),no qual o protagonista questiona os demais sobe o fato deles constantemente se virarem “para o nada” e falarem como se estivessem conversando com alguém.
Nos quadrinhos, é difícil precisar quando um personagem quebrou pela primeira vez a quarta parede, mas com certeza foi bem antes de Deadpool fazer isso no final dos anos de 1990. Aqui no Brasil os estúdios Mauricio de Sousa já usavam essa tática desde -pelo menos – os anos de 1970. Mauricio, que completa 90 anos em outubro de 2025, ainda era um jovem adulto de barbas pretas quando o Capitão Feio, por exemplo, saiu da prancheta para atingir “o autor” com raios-de-sujeira.
Houve um período nos anos de 1980, inclusive, que o recurso era tão utilizado nas HQs da Turma da Mônica que começou a se tornar cansativo. O tempo inteiro os personagens saiam da história para reclamar com um roteirista sobre alguma coisa, Cebolinha saia do quadrinho escondido e fazia/alterava um roteiro pra Mônica se dar mal, Bidu pedia a opinião do leitor e assim por diante. Aos poucos, porém, a quebra da quarta parede começou a ser utilizada com mais equilíbrio.
Nos quadrinhos de super-herói também há registros desde os anos de 1970 quando Uatu, o Vigia, conversava com os leitores ao sugerir histórias variantes do universo Marvel, na linha “oque aconteceria se “ (what if).
O primeiro personagem a se destacar pela quebra, porém, foi o Homem-Animal , da DC Comics. Em 1988 ele descobre que vive num universo ficcional e que a família dele não foi morta por vilões, mas sim pelo escritor da HQ, Grant Morrison.
Com argumentos extremamente filosóficos e complexos sobre criador e criaturas, o personagem, então, consegue conversar com o próprio Grant e o convence a devolver a família para ele dentro da história.
E na Marvel ainda antes de Deadpool, a partir de 1989, a Mulher Hulk também começou a usar bastante o conceito. Ela conversava com os leitores durante a história, questionava o “narrador” responsável pelos recordatórios, “saía” das páginas do gibi em determinados pontos da HQ e por aí afora.
O recurso foi usado pela personagem também na série She Hulk (2022) e entre os não-leitores de quadrinhos houve quem falasse que a personagem estava “copiando” Deadpool, já que o mercenário já vinha fazendo nos filmes desde 2016. Mas, ao menos nos quadrinhos, ela quebrava a quarta parede antes dele.
Uma curiosidade sobre Deadpool, porém, é que os roteiristas acabaram até arrumando justificativas dentro das HQs para que o personagem “enxergue” o público. Uma delas afirma que, como o cérebro do protagonista é constantemente regenerado pelo poder mutante dele (após passar por metástases, tiros, facadas e outros), a cada nova cura ele teria noções alteradas da realidade. Então esse falar com o leitor ou espectador seria uma espécie de delírio ou uma percepção realista que só ele tem.
Nas histórias dele, claro. Afinal, se utilizado com inteligência e parcimônia, a quebra da quarta parede é um ótimo recurso nos quadrinhos e por isso ele continua sendo utilizado constantemente nos mais diversos títulos. Até mesmo o Coringa já chegou a conversar com o leitor em (pelo menos) uma HQ do Batman. E, pode ter certeza, muitos outros personagens ainda farão o mesmo.
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