Hoje é até difícil imaginar, mas até meados dos anos de 1990 era difícil achar alguém que conhecesse a palavra “mangá” fora do público aficionado por HQs. Afinal, apesar de a televisão brasileira ter trazido desde a década de 1960 produções japonesas de live action como National Kid e de animação como Speed Racer (Match Go Go Go*), o primeiro mangá – nome dado às histórias em quadrinhos japonesas – só aterrissou por aqui oficialmente em 1988.
E apesar de se tratar de um clássico, Lobo Solitário, ficou mais restrito a um público adulto e era encontrado mais facilmente apenas em cidades grandes, como São Paulo. Ainda que outras HQs japonesas tenham sido lançadas nos anos seguintes, elas ficaram fora do mainstream e o termo mangá só se tornaria mais conhecido a partir de Akira, cujo número 1 foi publicado pela editora Globo em dezembro de 1990 em edição luxuosa para o mercado da época e com grande alarde na mídia.
Mas o nome “mangá” se tornaria efetivamente popular com a chegada dos quadrinhos de Dragon Ball no ano 2000. O clássico de Akira Toriyama, por sinal, já havia aterrissado no Brasil como desenho animado (ou anime, como falam os japoneses) em agosto de 1996,quando foi exibido pela primeira vez no programa Bom Dia & Cia, no SBT.
Quatro anos depois, o mangá seria lançado pela Editora Conrad e, além de sucesso absoluto de vendas, teve como marca o fato de ser o primeiro lançado no país no mesmo sentido de leitura dos mangás originais. Como assim, sentido de leitura?
O que faz um mangá ser mangá
O nome mangá vem da junção das palavras japonesas man (involuntário) e gá (imagem). Importante destacar que a origem dos quadrinhos japoneses remonta a 1703, mas o termo foi utilizado pela primeira vez em 1814, quando o pintor Katsushika Hokusai lançou uma coletânea de histórias com desenhos sequenciais, composta por 15 volumes, e batizada como Hokusai Mangá. E, após a Segunda Guerra Mundial se tornaram não só um hábito nacional de leitura no Japão como foram uma importante ferramenta de valorização cultural após a derrota do país do sol nascente no conflito.
Isso posto, a pergunta que fica no ar é: por que no Brasil (e em inúmeros outros países) as histórias em quadrinhos brasileiras continuam sendo chamadas com o nome original de “mangá”? Afinal, ninguém chega em uma banca brasileira e pede por um “fumetti” quando quer ler um quadrinho italiano. Nem se refere a uma HQ francesa como bande dessinée por aqui. Tampouco procura por uma sessão de comics na livraria se quer encontrar quadrinhos estadunidenses. Todas as histórias em quadrinhos de outras nacionalidades são chamadas assim, de histórias em quadrinhos.
Ocorre que, tradicionalmente, o mangá tem características que o diferenciam das HQs ocidentais e o transformam em algo único entre as demais histórias em quadrinho. Por essa razão, é facilmente identificável e manteve o nome em outras culturas justamente por ser diferenciado.
Entre as principais características (lembrando que nem todas elas estão presentes em todos os mangás) estão:
– Sentido oriental da leitura. Para um ocidental, o mangá é lido “ao contrário”, já que o sentido da leitura é da direita para a esquerda. A capa dos gibis japoneses, inclusive, corresponde à contracapa dos gibizinhos brasileiros. Ou seja, se você pegar uma história em quadrinhos japonesa e abrir como se estivesse abrindo um livrou revista brasileira, estará começando pelo final.
– Olhos grandes – Em boa parte dos mangás, os personagens humanos tem olhos desproporcionalmente grandes e expressivos. Há exceções, claro, em especial nos quadrinhos japoneses de traço mais realista, porem os olhos grandes se tornaram praticamente sinônimo do traço japonês, em especial graças à popularidade dos personagens de Osamu Tezuka, o “Walt Disney” japonês.
– Linhas cinéticas diferenciadas – Os artistas japoneses usam um grande volume de linhas cinéticas para indicar movimento, e com enquadramentos e perspectivas diferenciadas das dos quadrinhos ocidentais.
– Onomatopeias grandes e integradas à arte – As onomatopeias (palavras que indicam sons) são parte da arte nos mangás. Assim elas se diferenciam não só pelo tamanho, mas também por se encaixarem nas cenas, muitas vezes reforçando o sentido de movimentos dos personagens, indicando de onde o som está vindo ou que o som está aumentando/dominando um ambiente, por exemplo.
– Conceitos como respeito aos mais velhos e valorização do aprendizado – Na maioria das histórias os personagens de mais idade são tratados com respeito e a necessidade de aprender é enfatizada. É raro um personagem nascer com poderes ou ser superpoderoso desde o início, por exemplo: normalmente ele tem que treinar muito e conquista-los ou minimamente aprender a utilizá-los, o que costuma levar tempo. O aprendizado formal também costuma ser valorizado: o mestre de Goku (Dragon Ball), por exemplo, interrompe constantemente os treinos para que ele aprenda disciplinas escolares e realize tarefas do dia a dia.
– Erotização leve/ engraçada – Boaparte das histórias traz piadas que envolvem velhinhos tarados, personagens perdendo as calças, tendo os seios expostos involuntariamente ou distraindo outros personagens -voluntariamente ou não – por meio de atributos físicos. O tom, porém, é mais de piada do que qualquer outra coisa.
Virando criança -Em diversas HQs, quando o autor quer mostrar que o personagem teve uma reação imatura – como se sentir muito envergonhado por algo trivial ou ter uma explosão de raiva – ele repentinamente é retratado como criança por alguns quadros e depois volta ao normal.
Tipos de mangá?
Muita gente não se atenta para isso, mas o termo “mangá” se refere a histórias em quadrinhos no geral. Mas assim como existem quadrinhos de humor, aventura, terror, sci-fi, infantis e por aí afora, também existem vários tipos de mangá. No Japão, a maioria deles é conhecida por um nome específico, que indica o gênero ou tema abordado. Entre os mais conhecidos estão:
Komodo – Para crianças, HQs mais infantis como Doraemon e Koko
Shonen (“para garotos”) – Geralmente aborda temas de ação e esportes, com o romance como elemento secundário. Alguns exemplos de mangás shōnen: toda a saga de ‘Dragon Ball’, Demon Slayer, One Piece,Slam Dunk.
Shōujo ( “jovens garotas”) – Esse tipo de mangá normalmente tem meninas como protagonistas e, mesmo que tenham ação e aventura, tendem a focar em temas como romance e relacionamentos. Nesta categoria estão, por exemplo, Sailor Moon, Fruits Basquet
Josei – Tem o como alvo o público adulto feminino. Exemplos: Beauty Bunny, QQ Sweeper
Seinen – Tem como público homens adultos e as histórias geralmente são mais violentas e podem conter cenas de sexo. Exemplos: Bersek, Kingdon, Vagabond
Mecha – Quadrinhos sobre robôs gigantes
Hentai – Quadrinhos eróticos/pornográficos, com diversas subdivisões específicas
* Como acontece em boa parte dos casos, Speed Racer foi criado no Japão -por Tatsuo Yoshida – como mangá, em 1966, e em decorrência do grande sucesso virou desenho animado (anime) em 1967. No Brasil, porém, chegou direto como animação, estreando na TV Globo em 1968, com o nome de “Capitão Meteoro.”
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