Kardec: o codificador do espiritismo em quadrinhos

Mundo HQ

 


 

 

 

Uma das figuras centrais do Espiritismo, o francês Allan Kardec codificou e sistematizou a Doutrina Espirita, além de ter sido um de seus grandes divulgadores. Mas antes de ser Kardec, ele foi Hippolyte Léon Denizard Rivail, um professor dedicado ao ensino e à ciência, um homem resistente aos sinais do além.  O caminho que levou o cientista cético a se tornar o propagador do mundo espiritual estão na Graphic Novel Kardec, dos gaúchos Carlos Ferreira e Rodrigo Rosa (editora Barba Negra, R$ 34,90, 144 páginas).

 

 

 

Um dos destaques da obra é o fato de ela ser baseada em uma boa pesquisa que os autores fizeram durante três anos. O argumentista Ferreira (que também é roteirista e diretor de TV) e o desenhista Rosa levantaram não apenas um histórico acurado sobre o retratado como também sobre a França da época  e os personagens (reais) que conviveram com Rivail. Também pesquisaram a época do ponto de vista visual e arquitetônico, o que dá garante à HQ um aspecto de reportagem literária em quadrinhos – não por coincidência, o prefácio é do jornalista Marcel Souto Maior (autor de As Vidas de Chico Xavier) e, por que não?, uma espécie de chancela aos trabalhos sérios produzidos sobre Espiritismo nos últimos tempos.

 

 

 

 

Importante notar que não se trata de uma biografia sobre Rivail/Kardec (1804-1869) e sim um recorte sobre que vai do momento em que o mundo etéreo começa a atraí-lo de maneira irrefreável e o então pedagogo decide – ou é levado a – investigar os fenômenos e, finalmente, aceitá-los e se aceitar como agente ativo dentro deles. O livro não mostra o antes: a juventude na família católica e a inclinação desde cedo para a ciência, a formação em uma das escolas mais conceituadas do páis, a atuação em prol do ensino público, os cursos gratuitos que ministrava de física, química, anatomia e astronomia, o casamento, o ingresso na Academia Real de Ciências, os inúmeros livros didático-pedagógicos escritos.

 

 

Nem tampouco o depois: os contatos posteriores e a produção dos livros que até hoje são os pilares da Doutrina, a aceitação de reencarnações (entre eles a própria como o druida Allan Kardec), a luta contra os opositores da doutrina, o desencarne aos 64 anos em virtude de um aneurisma.  O foco da HQ é a justamente o ponto em que o francês redireciona a própria vida para o plano superior. Segundo a biografia de Kardec, foi 1854 que ele se interessou pela primeira faz pela primeira vez pelo fenômeno das mesas girantes – no qual pesadas mesas giravam, erguiam-se no ar e forneciam respostas a perguntas formuladas pela audiência – e é exatamente aí que se inicia a narrativa do quadrinho.

 

 

 

 

Inicialmente, é o também cientista Fortier quem fala a Rivail sobre as tais mesas, e é mostrada ao leitor toda a reticência e descrença deste último em relação a elas. Aos poucos, porém, e nem sem tensão, Rivail vai cedendo e descobrindo um mundo que não pode negar – e que, no futuro, passará a esclarecer. Com um roteiro bem amarrado – nos quais também são mostradas algumas visões do próprio Kardec a respeito de seu passado – os autores conduzem a história com maestria.

 

 

O domínio de luz e sombra de Rosa enfatiza diversos pontos da trajetória sem necessidade alguma de exageros com o intuito de reforçar este PI aquele fenômeno. Há vezes, porém, que o desenhista sai da proposta mais quadradinha da história, deixando de lado requadros e sentidos tradicionais de leitura para reforçar – em especial – a mensagem levada a Rivail que o levará definitivamente a ser Allan Kardec.

 

 

 

No argumento em si, trechos cuidadosamente selecionados da história real do codificador da Doutrina Espírita prometem agradar tanto aos que os conhecem previamente quanto os que nunca tiveram contato anterior algum. É o caso de uma das seções espíritas em que – como era comum na sociedade parisiense – sucedem-se perguntas óbvias e ridículas respondidas pelos espírito não sem um certo sarcasmo (“Eu vou emagrecer?”, pergunta a obesa madame / “Se tiveres força de vontade e parares de comer”, replica a mensagem do além).

 

 

 

Rivail, após anotar na agenda que mais uma vez predominam as dúvidas fúteis, destina uma pergunta ao espírito do filósofo Sócrates e a resposta é não só um “presta atenção” a todos os presentes como ainda um indicativo certo de que ele está no caminho certo. De acordo com o argumentista Carlos Ferreira (que junto com Rosa aproveitou o clima do livro para posar para “foto de época” que ilustra a orelha do livro), a proposta da HQ foi revelar um pouco mais sobre quem foi Allan Kardec.

 

 

 

“Ele não é um velhinho médium, mágico e santo. Ele era um pedagogo, cético, que ouviu sobre as mesas girantes e mesas que supostamente eram usadas pelos espíritos e não acreditou de primeira. Resolveu investigar e descobriu a verdade sobre o universo e sobre si", diz.

 

 

Ele acrescenta que a dupla quis fazer a Graphic Novel porque, além de se interessar por temas espirituais e até mesmo os ditos sobrenaturais, quis trazer à tona uma história até então inédita nos quadrinhos. “Interessa-me narrar o que ainda não foi narrado”, afirma Ferreira.

 

 

 

Repleta de qualidades, Kardec, a HQ, tem dois defeitos, que de maneira algum a comprometem, mas que cabem ser reparados. O primeiro é a pouca promoção/distribuição. Lançada em 2011, só agora parece estar aparecendo em um pouco mais livrarias, ainda assim em geral naquelas que tem seções dedicadas à arte sequencial.  Em boa parte dos centros espíritas do país, inclusive, a obra é desconhecida.

 

 

 

O segundo é um pequeno descuido da editora com o glossário que, terminado o quadrinho, situa o leitor em relação a fatos e personalidades citados. A página 121 se encerra com o verbete Mito de Odin. A 122 se inicia já no meio de um verbete – impossível dizer qual – e o leitor fica sem saber o que perdeu.

 

 

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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