Huguinho, Zezinho e Luisinho (Huey, Dewey and Louie)

Em 17 de outubro de 1937, em uma “tira” de domingo (daquelas ampliadas e coloridas), o Pato Donald recebia uma carta assinada por uma prima chamada Della, pedindo que ele tomasse conta de “três anjinhos” – chamados Huey, Dewey e Louie – enquanto a autora do pedido auxiliava o pai dos meninos, que estava no hospital.

Surgiam ali, pelas mãos do roteirista Ted Osborne e do desenhista Al Taliaferro, ambos contratados da Walt Disney Company, aqueles que se tornariam os sobrinhos mais famosos de todos os tempos. Os trigêmeos tiveram os nomes sugeridos por outro artista da Disney, Dana Coty, inspirados nos políticos Huey Long (de Louisiana) e Thomas Dewey (de Nova York) e no animador Louis Schmitt.

No Brasil, onde estrearam apenas em 1950, na revista do O Pato Donald, os trigêmeos foram inicialmente chamados de Nico, Tico e Chico (vale lembrar que era comum tentar dar nomes mais “familiares” e “legíveis” aos leitores do país naquela época). Porém, acabaram sendo rebatizados rapidamente para os hoje conhecidos Huguinho (Huey), Zezinho (Dewey) e Luisinho (Louie).

Curiosamente, em diversos países os trigêmeos também têm nomes “nacionalizados”. É o caso da Espanha (Jorgito, Juanito, Jaimito), países de língua espanhola na América latina (Hugo, Paco e Luis), Itália (Qui, Quo e Qua), França (Riri, Fifi e Loulou), Alemanha (Tick, Trick e Track), Finlândia (Tupu, Hupu e Lupu) e muitos outros.

Não é claro de onde veio a inspiração para os patinhos, ainda que haja quem especule que a ideia foi inspirada por outros sobrinhos da Disney, os não tão populares Chiquinho e Francisquinho (Morty e Ferdie), que haviam estreado anos antes – em 1932 – numa tira do “tio” Mickey de autoria de Floyd Gottfredson.

Também há quem afirme que a primeira aparição dos três lembraria, de alguma forma, uma aventura de Happy Hooligan, tira de jornal iniciada em 1900 que contava as histórias de um “mendigo bem-intencionado.” E há ainda uma terceira afirmação, mais polêmica, que diz que o autor dos personagens na verdade teria sido Carl Barks, o famoso “Homem dos Patos” (criador de Tio Patinhas, Maga Patalójika, Irmãos Metralha e muitos outros).

Nesta versão, Barks teria feito o trio para curtas animados da Disney antes que a tira saísse, porém as animações acabaram só foram lançadas para o público posteriormente. Contudo, a empresa  colocou uma pedra sobre o assunto ao atribuir oficialmente a gênese dos patinhos a Osborne e  Taliaferro, autores da primeira aparição deles, ou seja, a tira de 1937.

Ninguém nega, porém, que o grande responsável pela consolidação e popularidade de Huguinho, Zezinho e Luisinho – tanto nas animações quanto nos quadrinhos – foi mesmo Barks, a começar pelo primeiro desenho animado dos três, Os Sobrinhos do Donald, desenhado e roteirizado por Carl e lançado cerca de seis meses depois da tira, em 1938.

Similar ao que ocorre na tira, Donald também é informado da existência dos pequenos pelos correios, porém com uma diferença: o postal, com foto dos três anjinhos, fala em uma “visita” e é assinado não mais pela prima e sim pela irmã de Donald, Dumbella. Na animação, os três aprontam todas com o tio que, inutilmente, tenta se socorrer em um livro sobre o jeito moderno de se lidar com crianças. Donald, claro, falha miseravelmente na tarefa.

O desenho conquistou a audiência e estabeleceu a relação inicial entre Donald e as crianças. No começo, Huguinho, Zezinho e Luisinho eram apresentados como garotos problema, sempre aprontando com o Tio Donald, fugindo da escola, sabotando projetos dele, o fazendo passar raiva e ridículo.

A rivalidade entre os trigêmeos e o pato foi ganhando outros contornos com o desenvolver das histórias, com competições esportivas e os meninos se interessando por atividades, como, por exemplo, a do escotismo. Aos poucos, Barks estabeleceu tanto nos quadrinhos como nos desenhos animados que eles eram “o cérebro” da família.

Os três patinhos também  foram parando de  sabotar Donald (nem sempre a recíproca era verdadeira) e passaram a ajudar o tio nos empregos, na vida amorosa e na rivalidade com outros personagens, como o sortudo e insuportável primo Gastão Ganso.

Uma das grandes viradas neste sentido foi quando Barks criou em 1951 os Junior Woodchucks, que no Brasil ganhou o nome  de “Escoteiros Mirins”, na HQ Operação São Bernardo. A partir dali, os meninos se tornaram – com muito esforço, aventuras e a ajuda do “Manual do Escoteiro Mirim” (que inclusive teve uma divertida versão vendida no Brasil) – mais sábios e, praticamente, os heróis da família.

Sempre que Tio Patinhas os arrebanhava para uma aventura maravilhosa, normalmente uma odisseia em busca de uma civilização perdida (Barks era ótimo neste tipo de aventura), o pato mais rico do mundo e Donald normalmente se metiam em enrascadas, e cabia aos trigêmeos resolver a parada da melhor forma possível.

Outro dos grandes da Disney, o também americano Don Rosa, que sucedeu Barks e não à toa é considerado o “herdeiro” do Homem dos Patos, deu sequência a consolidação dos sobrinhos, tendo inclusive feito HQs complementares a de Barks, mostrado a origem dos “escoteiros” e se aprofundado na mitologia e árvore genealógica de toda a família Pato.

Para se ter uma ideia da popularidade dos quadrinhos com os trigêmeos, eles são simplesmente – de maneira coletiva – o 11º personagem mais publicado em gibis e tiras de todos os tempos. E, se forem excluídos da lista os do gênero super-herói, assumem a segunda colocação, atrás apenas do próprio tio, Pato Donald.

Nos quadrinhos, o trio nunca parou de ser publicado e sofreu mudanças mínimas de traço -basicamente foram ficando mais arredondadinhos, no tradicional processo de ficar mais “fofo” que ocorre com diversos personagens (como a brasileira Mônica, por exemplo).

Já nos desenhos animados a história é bem diferente. Depois da estreia nos cinemas com a animação de Barks, o trio apareceu em inúmeros curtas-metragens. Quando Walt Disney resolveu entrar pesado na (então) TV aberta estadunidense, em 1954, Donald e os sobrinhos se tornaram parte importante da programação semanal.

Uma das séries mais famosos deste período veio em 1956, At Home with Donald Duck. Nele, o pato quer mostrar os próprios desenhos, mas os sobrinhos insistem em assistir O Clube do Mickey” na TV, para desespero (e ciúme) do tio. Eles ganhariam ainda mais destaque em Your Host, Donald Duck, de 1957, no qual tentam ajudar Donald a substituir o próprio Walt Disney no comando da Disneylândia, ao mesmo tempo em que seguram – de maneiras criativas  – o ego gigante do tio.

Os desenhos animados e curtas com o trio foram bem até 1961. Depois, os sobrinhos praticamente ficaram de molho por duas décadas, até 1983, quando voltaram a aparecer no Conto de Natal do Mickey (Mickey’s Xmas Carol).

A grande virada, porém, viria em 1987 com o desenho Duck Tales (Os caçadores de aventura). Na série, que se estendeu com grande sucesso até 1990, eles vão morar com o Tio Patinhas porque Donald se alistou na marinha. E, ao lado do velho pato e de personagens até então desconhecidos do público (o desastrado aventureiro Capitão Boing, o mordomo Leopoldo, a patinha Patrícia e a avó dela, Madame Patilda), vivem grandes e épicas aventuras – no melhor estilo das odisséias desenvolvidas por Carl Barks nas HQs.

As histórias (foram 100 episódios ao todo)  também incluíam inúmeras referências à cultura popular – de Shakeaspeare e James Bond a Mitologia Grega e romances policiais.  Na primeira temporada, as aventuras se davam ao redor do mundo, mas depois começaram a se focar mais na cidade de Patópolis, com direito a aparição de vilões tradicionais (também criados por Barks) como Maga Patalojika, Irmãos Metralha e Pão Duro Mac Mônei.

Duck Tales também fixou, de maneira definitiva, a relação entre os patinhos e as cores que eles utilizavam, além de estabelecer personalidades diferentes pra cada um deles – nas HQs, o trio funciona como uma mente coletiva, como se os três irmãos fossem um mesmo personagem.

Assim, Huguinho passou a ser o que usa vermelho e a ser mostrado como o líder do trio, o autor dos planos. Zezinho ficou com a cor azul e se tornou o mais inteligente e habilidoso, construindo de tudo com materiais à mão. E Luizinho, de verde, é o mais leal, de coração puro e bravura.  Por sinal, o uso de outras cores (no desenho inicial um deles usava laranja e o amarelo também apareceu em ocasiões diferentes) foi deixado de lado, salvo em exceções como o uso de fantasias.

Com o fim de Duck Tales, os patinhos voltariam à cena em 1996, em Quack Pack. Desta vez, porém, retratados como adolescentes. Em 39 episódios, o cinegrafista Donald e a repórter Margarida viaja pelo mundo em busca de um grande furo, acompanhados pelos trigêmeos que agora curtem rock, querem impressionar meninas e constantemente manipulam Donald para conseguir o que querem (ainda que se arrependam depois e consertem as coisas).

A série também “aprofunda” a personalidade dos três (que agora têm até ordem de nascimento do ovo).  Mais velho, Huguinho é líder, um pouco mais filosófico e sedutor.  Zezinho, o irmão do meio, é mais equilibrado, mas adora fazer pegadinhas e entende de tecnologia. Luisinho, o mais novo, é fã de quadrinhos e esportes, adora a natureza e é muito gentil, mas um pouco menos inteligente.

Os três adolescentes não tiveram continuidade: em 2013, nos novos e divertidos desenhos do Mickey, os três patinhos voltaram a ser criança e a aprontar todas. Com uma pegada de comédia mais identificada com os primeiros curtas de Disney, a série teve cinco temporadas, com bastante participação do trio no traço mais estilizado que caracterizou a atração.

 

Em 2017, Huguinho, Zezinho e Luisinho voltaram ao estrelado com um ótimo reboot de Duck Tales. Com traço renovado e aventuras mais dinâmicas, os três patinhos e o elenco da série original de duas décadas antes voltaram em grande estilo.  Desta vez, por razões misteriosas (que serão reveladas e esclarecidas na série), Donald e Tio Patinhas ficaram sem se falar por dez anos.

Porém, o pato precisa da ajuda do Tio para ajudar a cuidar das crianças e Patinhas acaba tendo seu senso de aventuras renovadas. E mais uma vez com a presença de Capitão Boing, Patrícia, Madame Patilda e companhia, os caçadores de aventuras estão de volta. Com boa recepção de público e crítica, o reboot teve 69 episódios – variando entre 22 minutos (os episódios normais) e 44 (especiais). O episódio final, levado ao ar originalmente em março de 2021, teve 67 minutos.

Vale lembrar que, além dos quadrinhos, cinema e TV, Huguinho, Zezinho e Luisinho também viraram brinquedos, atrações de parque, memorabília, referência pop e aparecem em mais de duas dezenas de videogames, entre os quais três versões diferentes de Duck Tales.

Enredo

Huguinho, Zezinho e Luisinho são três patinhos que vivem com o tio, Pato Donald.  O trio tem uma rivalidade (normalmente) saudável com o Donald, e normalmente são – ou tentam ser – a voz da razão na vida amalucada vivida por ele. Inteligentes, os três – que tem idade indefinida, apesar de serem claramente crianças – não resistem a mistérios.

Também têm grande conhecimento sobre os mais diversos assuntos, em especial graças ao Manual do Escoteiro Mirim, que os ajuda a desvendar os mais variados temas, inclusive sobre civilizações perdidas e criaturas míticas com as quais se deparam nas aventuras com Donald e o tio-avô Patinhas.

Nas versões de desenho animado os três costumam ter personalidades diferentes (inclusive mais aprofundadas nas séries Duck Tales e Quack Pack, sendo que nesta última o trio é retratado como adolescente), porém nos quadrinhos Huguinho, Zezinho e Luisinho agem em uníssono, completando um ao outro e com uma personalidade única.

Personagens

Além de Tio Patinhas e Pato Donald, costumam aparecer nas histórias dos trigêmeos (com mais ou menos assiduidade dependendo da época)

Margarida – A namorada do Donald e os interesses pessoais dela diversas vezes já gerou problemas que sobraram para os meninos, que às vezes a ajudam e de outras tentam ajudar Donald a lidar com as confusões da agenda social dela em que se vê metido.

Vovó Donalda – Sempre com bons conselhos pros bisnetos (ela é avó de Donald), Donalda também recebe os meninos no sítio sempre que o pato precisa de um tempo sozinho… menos em Duck Tales, claro.

Lalá, Lelé e Lili – a contraparte feminina dos três. Sobrinhas da Margarida, essas trigêmeas normalmente mostram rivalidade com os meninos e, por vezes, vencem disputas com eles – os entreveros entre as bandeirantes e os escoteiros-mirins de Patópolis são famosos.

Bolívar – O São Bernardo já apareceu tanto como cachorro do Donald como dos Escoteiros, se destaca pelo bom coração e, às vezes, por falta de coragem.

Rom-rom – Em muitas HQs é o gato de estimação do Donald e, consequentemente, das crianças. Vale lembrar que, como toda criança que se preze, os garotos já tiveram diversos outros bichos de estimação. Porém, com uma variedade enorme, que inclui esquilos, um corvo, um aligátor, rãs, pombos e até uma rena.

General Sabujo – esse cão farejador dos escoteiros já os ajudou demais e colocou Donald em poucas  boas, em especial quando ele desafiava os escoteiros

Professor Pardal e Lampadinha – o genial e atrapalhado inventor, na companhia de seu pequeno assistente, também aparece constantemente nas histórias dos meninos ajudando (?) a família pato com suas invenções

Irmãos Metralha – Os temidos e atrapalhados ladrões que tentam roubar a fortuna do Tio Patinhas

As bruxas Maga Patalójika e Madame Min. Outra bruxa que já fez sucesso contracenando com eles, em especial em uma história específica de Dia das Bruxas, foi a feiticeira Wanda e sua vassoura Jezebel.

Vale destacar ainda, nos desenhos  de Duck Tales:

Patrícia – A personagem criada para a série Duck Tales – cujo nome original é Webby Vandequack – parece ser uma fusão de Lalá, Lelé e Lili. Na primeira série, parecia ser mais nova que eles e adorava animais. No reboot, tem a mesma idade e é meio nerd.

Capitão Bóing – Também criado para os desenhos, é um piloto tão ousado quanto desastrado.

 

Curiosidade: sim, eles têm mãe – e pai também

Muita gente acha que os sobrinhos mais famosos do mundo não têm pai e mãe, dizendo inclusive que isso é comum no mundo Disney: as crianças só têm tios.  A afirmação, claro, não procede. Já na primeira tira, é a mãe dos patinhos que assina a carta para Donald pedindo ajuda enquanto o marido está no hospital. Ali, porém, ela é identificada como uma prima do pato e batizada como Della.

Na estreia nos desenhos animados, porém, o nome é mudado para Dumbella (uma corruptela de “bobona”) e a personagem é estabelecida como irmã de Donald. A informação, a partir daí, não mudou mais.

Mas foi só em 1950 que Carl Barks desenhou pela primeira vez o rosto da pata e esboçou a Árvore Genealógica da Família Pato. Ali aparece uma pata de cabelos loiros, irmã gêmea de Donald, e mais uma vez com o nome “Della” – aparentemente, foi decidido que seria um apelido para Dumbella, nome considerado com um pezinho na ofensa.

O pai de Huguinho, Zezinho e Luisinho é mostrado com um galho da árvore sobre o rosto, deixando que se vislumbre apenas parte dele  o “sobrenome” Duck. A identidade do genitor do trio, portanto, permanece ignorada, ainda que a existência dele seja reconhecida.

Quando Don Rosa fez A Saga do Tio Patinhas, em 1990, começou a mostrar mais da irmã de Donald – a dupla aparece ainda criança em uma cena memorável contracenando com o quaquilionário. Mas foi bem mais recentemente, em 2017, que Dumbella/Della ganhou uma biografia mais completa.

No reboot de Duck Tales, foi “revelado” que ela era uma aventureira que acabou indo para o espaço  – razão pela qual deixou os filhos com Donald – e foi dada como perdida em ação. De volta a Patópolis ela se reencontra com os filhos e participa de novas aventuras com eles.

A série, aceita na cronologia oficial, estabeleceu a grafia do nome como Dumbela, com um ele a menos, bem como o apelido Della, unificando a divisão de nomes anterior. A personalidade da mãe dos patinhos foi estabelecida como a de uma pessoa corajosa, obstinada, ousada e que muitas vezes não mede consequências diante do perigo. Em uma das histórias ela chega a se acidentar e passa a usar uma perna mecânica/cibernética.

 

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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