Garotas Perdidas

Garotas Perdidas

Qualquer autor que pegasse contos infantis tradicionais – como Alice no País das Maravilhas, Peter Pan e O Mágico de Oz – e os transformasse em “histórias de sacanagem” seria acusado de perversão. Mas no caso do premiado quadrinista Alan Moore, que fez exatamente isso em Lost Girls, o resultado foi além: trata-se de uma subversão, em todos os sentidos permitidos pela palavra.

A luxuosa (ou seria luxuriosa?) série em quadrinhos foi lançada no Brasil em três volumes pela Devir. Na história de Moore, as protagonistas dos três contos – Alice, Wendy e Dorothy, todas já adultas – se encontram em um hotel austríaco no ano de 1913, às portas da I Guerra Mundial, e começam a trocar confidências (e muito mais) sobre suas vidas sexuais.

A grande sacada de Moore é que as tais confidências, altamente eróticas, estão exatamente ali, nos livros infantis. Com muita habilidade e sutileza, o autor enxerga os contos infantis como metáforas para o sexo.

Assim, o famoso jardim das flores de Alice é, na verdade, uma forma de se referir aos prazeres da menina com as colegas de internato, todas elas com nomes de flor. O espantalho, o leão e o homem-de-lata, por sua vez, são os diferentes homens que passaram pela vida de Dorothy. E o Capitão Gancho é na verdade um pedófilo, que tem medo de crescer e enfrentar mulheres adultas.


Aliás, diga-se de passagem, leitores e leitoras jamais conseguirão pensar
novamente com inocência no tal crocodilo que perseguia Gancho após ver o desenho abaixo, que mescla a criatura à uma parte particular da anatomia feminina e foi feito para ilustrar essa passagem por Melinda Gibbs – esposa de Moore e desenhista de toda a obra.


Se há certa sutileza nas metáforas enxergadas por Alan Moore nos contos, os desenhos de Melinda nada têm de sutis. À exceção poética de uma cena de Alice com suas amantes no jardim, comparada e sobreposta a uma borboleta retirando o néctar das flores, as ilustrações do livro são absolutamente explícitas.


E o próprio Moore, por sua vez, se ora brinca com o erotismo supostamente oculto nos contos de fada, ora intermédia as histórias com verdadeiras orgias no tal hotel onde as moças se encontram, com direito a todo e qualquer tipo de sexo imaginável.


Com um conteúdo desses, não é de se surpreender que a obra – lançada em 2006 – tenha causado polêmica nos Estados Unidos e na Inglaterra. Nas terras do Tio Sam, a editora Top Shelf, responsável por Lost Girls, recebeu críticas duras e muitos lojistas não aceitaram vender as garotas perdidas com medo de serem acusados de comercializar pornografia infantil.


No Reino Unido, os livros só puderam ser lançados neste ano, pois o Great Ormond Street Hospital – instituição médica que deteve os direitos de Peter Pan até o ano passado – entrou na Justiça para impedir a publicação, com medo de uma repercussão negativa fosse causada aos personagens da Terra do Nunca.

Ainda assim, em meio a toda polêmica, nos Estados Unidos o box contendo os três livros de Lost Girls (vendido a US$ 75) vendeu 40 mil exemplares em três tiragens, e há pelo menos mais 15 mil caixas encomendadas nas lojas especializadas.


Os leitores brasileiros que quiserem conferir a obra de Alan Moore e Melinda Gibbs podem adquiri-la nas melhores livrarias, comic shops ou via Internet, no site da editora Devir (www.devir.com.br). No site também é possível ver um pouquinho de cada um dos três volumes, comercializados por aqui a R$ 65 cada um.

 

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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