Cinderalla: noiva cadáver à japonesa

Mundo HQ

 

 

Com a vinda da cartunista Junko Mizuno ao Brasil (no Rio Comicon de 2011), vale a pena lembrar uma de suas obras já lançadas em terras Tupiniquins – por enquanto, diga-se de passagem, a única do gênero em que ela fez mais sucesso: uma mistura de contos de fada com terror. Cinderalla foi lançada por aqui em 2006 pela Conrad Editora (146 páginas coloridas, R$ 29,50).



 

Como descrever a HQ? Imagine o que aconteceria se tivessem pedido para o escatológico Augusto dos Anjos escrever uma fábula para crianças? Provavelmente algo muito parecido com o que ocorreu quando a editora japonesa Koushinsya pediu a Junko Mizuno que desenhasse sua própria versão de Cinderela. O resultado foi uma mistura absurda de grotesco e "bonitinho".



"Por algum motivo, acharam que eu não conseguiria escrever uma história, por isso acharam melhor que eu fizesse algo baseado em material mais antigo, como conto de fadas", conta Junko, nascida em 1973. O resultado, com certeza, não foi o que a editora esperava, mas ainda assim conquistou uma enorme quantidade de fãs – em especial adolescentes do sexo feminino – no Japão e em diversos países.

 



A história tem um humor um tanto macabro, que lembra um pouco a Noiva Cadáver de Tim Burton, mas com uma dose muito maior de surrealismo. Assim como no original, Cinderalla perde o pai, mas ele só se casa com a madastra malvada depois de morto e volta para casa como zumbi, acompanhado da esposa e das duas enteadas (todas mortas-vivas também).



Cinderalla, então, passa a trabalhar como uma escrava para saciar o apetite da mãe e os desejos das meio-irmãs – que incluem a costura de um sutiã tamanho gigante para uma das meninas. Ah, sim, vale lembrar que o leve erotismo comum aos mangás está presente na HQ, e também rende piadas de gosto duvidoso que (alguns) adolescentes costumam gostar.



Este humor escatológico juvenil, por sinal, é o forte de Cinderalla e dá as caras a todo momento: seja nas receitas de espetinho preparado pelo pai da moça ou até na cena antológica da escadaria. Em vez de perder o sapatinho de cristal, a heroína, transformada em morta-viva pela fada-madrinha para poder ir ao baile do príncipe zumbi (!), perde um…globo ocular.

 



E, se no conto original, todas as moças tentam experimentar o sapatinho, fica por conta e risco do leitor destas linhas imaginar o que fazem as moças da história para provar ao príncipe que elas são sua escolhida. Apesar da nojeira do argumento, os desenhos não vão enjoar ninguém. Pelo contrário, são bastante atraentes, pois juntam o característico traço " fofinho" mangá com cores vibrantes, num resultado meio arte retrô.



Com tantas mudanças no conto original, a autora Junko Mizuno – que ficou famosa não só pelos mangás como por incursões bem sucedidas que faz no desenho de moda e na música eletrônica – fez questão de se manter fiel a pelo menos uma característica dos contos originais: o final feliz.



Cinderalla, nojenta ou não, acaba vivendo (ou seria morrendo?) feliz para sempre. Junko e sua editora também ficaram felizes com o resultado, tanto que lançaram as versões grotescas de João e Maria e A Pequena Sereia.

 

 

A autora ainda lançou o álbum Hell Babes (Garotas do Inferno), que segue a mesma linha de misturar desenhos fofinhos com muito sangue. Para quem gosta, é um prato cheio.

 

 

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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