Censura na HQ
Artes alteradas, gibis queimados, HQs proibidas: de Benito Mussolini ao "código de ética" americano, os quadrinhos sofreram muito para conquistar sua liberdade
Quando se fala em censura, o primeiro pensamento que vem a cabeça dos brasileiros são os anos da Ditadura Militar, nos quais jornalistas chegaram a pagar com a própria vida pela liberdade – então inexistente – de imprensa. A famigerada censura, no entanto, também atingiu vários outros veículos de comunicação de massa, em várias épocas. E entre eles, nem mesmo o gibi escapou…
A história da censura sobre os quadrinhos começa em 1938, na Itália, com o ditador Benito Mussolini. Alegando "questões de soberania nacional", Mussolini baniu de toda a Itália as revistas de histórias em quadrinhos – a maioria, na época, era de origem estadunidense – alegando que elas eram uma ‘contracultura corrosiva’ que prejudicava a formação dos jovens italianos.
"Nesta época, o próprio Getúlio Vargas, que era presidente do Brasil, ficou sabendo da medida e pensou em fazer o mesmo por aqui. Isso só não aconteceu porque o então ministro da Justiça, Francisco Campos, era um fanático por quadrinhos", conta o pesquisador e jornalista da Gazeta Mercantil Gonçalo Júnior, autor do livro A Incrível Guerra dos Gibis.
O Brasil não entrou na onda, mas a França o fez. Em 1949, alegando os mesmos motivos expostos por Mussolini, a França adotou a postura italiana. Logo depois, em 1954, a censura ganhou um grande reforço para justificar suas ações contra as HQs: o livro A Sedução dos Inocentes do psicólogo Frederick Wertham. No livro (sobre o qual você já leu aqui no HGB), Wertham afirmava que os quadrinhos incitavam a delinqüência e o homossexualismo – que aos olhos da sociedade da época era visto não apenas como um desvio de conduta, mas como um crime legal e moral.
Por causa disso, milhares de gibis acabaram na fogueira e foi criado, nos Estados Unidos, o Comics Code, que estabeleceu regras de "ética" para as HQs.
Foram proibidas, por exemplo, cenas que apresentassem terror, tortura, canibalismo, vampiros e lobisomens – o que fez o mercado de HQs de terror naufragar nos EUA. A palavra crime não poderia aparecer em títulos e atos criminosos jamais poderiam ser mostrados de forma simpática (um bandido sempre roubava alguém porque era mau e não para saciar sua fome, por exemplo). E também, nas histórias, nenhuma autoridade poderia ser mostrada cometendo um crime (policiais, juízes, prefeitos, diretores de escola e outros eram sempre pessoas 100% honestas).
Nudez, então, nem pensar. Olhe a imagem acima, por exemplo, retirada de uma HQ da Turma do Archie. O quadrinho da esquerda, com a menina de blusa verde, é a arte original. No entanto, o "código" achou muito sexy a garota estar sem nada por baixo da blusa. Conclusão: a censura liberou o desenho após acrescentar uma (quadro da direita).
Até mesmo onde não havia nudez a censura a enxergava. Um braço musculoso de um herói, por exemplo, chegou a ser cortado porque, em um determinado enquadramento, os censores acharam que os músculos formavam uma imagem que lembrava as pernas de uma mulher.
Depois de aprovados pelo código, os gibis recebiam o selo oficial (no alto desta página), sem o qual os próprios donos de bancas se recusavam a comerciar as HQs.
NO BRASIL
Em 1961, quatro brasileiros importaram a censura dos Estados Unidos para o nosso país. Roberto Marinho, Assis Chateaubriand, Victor Civita e Adolfo Aizen eram então os maiores editores da história brasileira e haviam feito – ou consolidado – suas fortunas com a ajuda dos quadrinhos. Por quê, então, queriam censurá-los?
Na realidade tratava-se de uma forma de calar a boca dos críticos das HQs. "É que naquela época o jornalista Samuel Weiner, para rebater denúncias feitas por Marinho de que o Banco do Brasil estava fazendo transações favorecendo o jornal dele (Última Hora), começou a publicar no Brasil matérias que transcreviam as afirmações de Wertham contra as HQs", conta Gonçalo.
Desta forma, os editores brasileiros criaram um código semelhante com o objetivo de não serem mais perseguidos pelos críticos. "Mas o código brasileiro não alterou muita coisa, pois boa parte dos quadrinhos comercializados por aqui na época vinha dos EUA, já censurada."
HOJE
Nos EUA, hoje, o selo do "código de ética" ainda existe, mas é pouquíssimo utilizado. Como o próprio Frederick Wertham admitiu ter falado uma série de asneiras em seu livro, a censura americana saiu de cima das HQs. Ainda assim, os quadrinhos muito "fortes" trazem o indicativo "sugerido para leitores maduros" (suggested for mature readers) – que por sinal também foi incorporado por boa parte das HQs brasileiras.
Ainda assim, há algumas restrições impostas, muitas vezes, pelas próprias editoras. A DC Comics, por exemplo, chegou a cortar uma cena de lesbianismo na série Camelot 2000, publicada no final dos anos 80/início dos anos 90. Em outra revista, uma cena em que o Monstro do Pântano contracenava com Jesus Cristo também foi eliminada.
Aqui no Brasil, em 1997, a Editora Abril Jovem colocou uma tarja na, digamos, região glútea do personagem Lobo que aparecia exposta na minissérie Lobo Está Morto (acima). O pessoal da Abril garantiu na época, porém, que era apenas uma brincadeira…
Já o cartunista Glauco teve várias de suas tiras do personagem Geraldão (nas quais apareciam o "bimbão" do Geraldão ou a mãe do personagem tomando banho e sendo espionada por ele) vetadas por jornais brasileiros no início de sua carreira. O mesmo aconteceu com tiras de Angeli. Quando ambos alcançaram o sucesso, no entanto, não houve censura que resistisse…
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