Sem royalties nem mordomias, e sem ter assinado sequer uma linha de seu trabalho, Carl Barks escreveu e desenhou mais de 500 histórias do Pato Donald. Além disso, criou sozinho cidadãos inesquecíveis de Patópolis – como Tio Patinhas, Professor Pardal, Maga Patalógica e os Irmãos Metralha -, o que lhe rendeu o apelido de Duckman ("Homem-Pato" ou "Homem dos Patos").
Mas, ao contrário de seus personagens, que se tornaram imortais no coração de milhares de leitores de todo mundo, Barks não resistiu à ação de um vilão pior do que qualquer um dos já enfrentados por Donald: a leucemia.
Na tarde de uma sexta-feira, 25 de agosto de 2000, a doença levou o Homem-Pato para o andar de cima. Barks estava com 99 anos e, há pouco mais de um mês, havia pedido aos médicos que cortassem os remédios que garantiam sua sobrevida.
A morte do autor deixou órfãos não apenas os integrantes da família pato, como também milhares de fãs do mundo inteiro, que idolatravam o desenhista. Carl Barks nasceu em 27 de março de 1901, em um rancho ao sul de Klamath Falls, no estado do Oregon, próximo à fronteira da Califórnia. Era um garoto solitário, não só por causa da localização de sua casa – um local ermo e pouco visitado por amigos – como também porque, desde pequeno, era vítima de uma surdez parcial. Barks começou a desenhar ainda criança, mas dedicava a maior parte de seus dias a ajudar os pais com os serviços do rancho.
Aos 17 anos saiu de casa e, após vários trabalhos temporários que incluíram até mesmo ser lenhador, conseguiu se empregar como cartunista na revista Calgary Eye-Opener. Passado algum tempo, em 1935, ouviu dizer que os estúdios Disney estavam procurando profissionais para seu departamento de animação e decidiu tentar a sorte.
Pouco depois de ter sido contratado, Barks emplacou uma seqüência sobre Donald e uma cadeira mecânica de barbeiro para o desenho. Com isso, ganhou uma promoção para o departamento de histórias (argumentos), onde co-produziu desenhos famosos como Donald’s Nephews (1938), Donald’s Cousin Gus (1939), Timber (1941), The Vanishing Private (1942) e The Plastics Inventor (1944). Nos anos 40, Barks estava cansado de trabalhar com outros autores.
Além disso, os desenhos animados estavam sendo utilizados como propaganda de guerra e Barks tinha restrições a esta idéia. A gota d’água para a permanência do autor no estúdio foi o ar-condicionado do local, que o deixou doente.
Assim, em 6 de novembro de 1942, Barks decidiu deixar os estúdios para criar galinhas em sua fazenda. Para ganhar dinheiro, no entanto, Barks escreveu para a editora Western Printing/Dell Comics, avisando que estava disponível para criar histórias. A idéia de Barks era criar seus próprios personagens, mas a editora o contratou imediatamente para escrever as histórias de Donald – o que ele veio a fazer por mais de 25 anos. Se nos desenhos animados o pato era esquentadinho e tinha grande parte de seu sucesso garantido pela voz ininteligível, no papel a coisa era diferente.
Barks decidiu dar ao pato personalidade, capacidade de discurso e emoções mais definidas. E criou grandes histórias, com excelentes argumentos e cenários deslumbrantes – entre as que mais marcaram época destacaram-se O Xerife do Vale Balaço e Perdido nos Andes. As HQs eram excepcionais, mas Barks faria bem mais que isso. Era necessário criar para Donald um mundo no qual pudesse viver e, por isso, o oregoniano criou a cidade de Patópolis (Duckburg). Desenvolveu ainda uma série de personagens, do famoso tio pão-duro ao primo sortudo Gastão, que por sinal era odiado pela terceira (e última) esposa de Barks, Garé.
O favorito do Homem-Pato, no entanto, era mesmo Donald. "Sempre me senti um azarado como o Pato Donald, que é uma vítima de tantas circunstâncias. Mas não há ninguém que não se identifique com ele, pois ele é tudo e todos, comete os mesmos erros que todos cometemos. Algumas vezes ele é o vilão, em outras é um cara muito bom, mas o tempo todo ele é uma pessoa tão normal quanto o ser humano médio e acho que é por isso que a maioria das pessoas ama esse pato", dizia.
Em 30 de junho de 1966, Barks se aposentou e deixou o mundo que criou para outros artistas, mas esse ainda não era o fim de sua carreira. De 1972 até o fim de sua vida, o desenhista e roteirista produziu cerca de 150 quadros a óleo com cenas e capas de suas HQs. E nos anos 90, durante uma tour pela Europa, ainda ajudou a produzir outras duas histórias Horsing Around with History (1994) e Somewhere in Nowhere (1997).
No Brasil, a obra de Barks pode ser conferida na coleção O Melhor da Disney, lançada pela editora abril.
Os filhos de Barks
Tio Patinhas (Uncle Scrooge) – O quaquilionário mais famoso do mundo foi criado em 1947, na história Um Conto de Natal, baseada em um texto do escritor Charles Dickens. No início era um personagem secundário, mas aos poucos caiu no gosto popular e ganhou luz (e revista) própria. Clique aqui para ler mais sobre o personagem.
Gastão (Gladstone Gander) – O sujeito mais sortudo da face da Terra (e possivelmente o mais metido e almofadinha) surgiu em janeiro de 1948, já irritando Donald com sua interminável boa fortuna. Gastão sempre ganha rifas, sorteios, brindes…tudo. Barks preferia usar o primo de Donald em histórias que precisavam de um antagonista em vez de apelar para vilões tradicionais. A esposa do quadrinista, Garé, odiava o ganso e muitas vezes brigava com o marido por causa do desfecho das aventuras.
Escoteiros Mirims (Boy Scouts) – Em 1950, Barks resolveu transformar os sobrinhos do Pato Donald – que já existiam – em escoteiros, possibilitando uma química totalmente nova entre o herói azarado e Huguinho, Zezinho e Luisinho. Dotados de um manual que sempre tem de tudo, os escoteiros fizeram tremendo suceso entre adultos e crianças. Um detalhe curioso das histórias são as medalhas dadas para as atividades mais loucas e as siglas para designar o grande C.H.E.F.E. (Combatente Heróico, Enérgico, Fiel e Esperto, por exemplo).
Irmãos Metralha (Beagle Boys) – Os três irmãos surgiram oficialmente em 1951, mas um ano antes, na história O Papagaio Contador, Barks já havia desenhado bandidos muito parecidos. Sempre atrás da fortuna de Patinhas, os bandidos 617, 671 e 176 acabaram ganhando uma imensa família nas mãos de outros autores, com integrantes de características peculiares como o Vovô Metralha e o Azarado (1313), e até mesmo antecedentes bandidos em todas as épocas.
Professor Pardal (Gyro Gearloose) – O inventor maluco Pardal, que na verdade é um frango e não um passarinho, surgiu em 1952 e, segundo Barks, não era para se tornar um personagem fixo. "Todo cartunista desenha um inventor maluco um dia, mas eu pretendia usar o Pardal apenas eventualmente, porque ele é muito alto, o que torna difícil colocá-lo no mesmo quadrinho em que aparecem os patos", contava Barks, que afirmava que, assim como o criador do Lampadinha, também tinha veia de inventor.
Maga Patalógika (Magica de Spell) – Uma morena sedutora, verdadeira Femme Fatale que sonha em conseguir a moeda número 1 do Tio Patinhas para derretê-la no Monte Vesúvio e fazer um talismã. Barks criou a feiticeira de origem italiana – descendente da legendária Circe da mitologia grega – em 1961, inspirada em Morticia Adams, do seriado americano A Família Adams.
Patacôncio (John D. Rockerduck) – Carl Barks criou o personagem em 1961, mas utilizou-o apenas em uma história (Gasolina Superzum, publicada no especial do Donald 50 anos de Brasil). Patacôncio é um milionário desonesto e aparecido, que faz de tudo para provar que é mais rico que Patinhas, mas quase sempre acaba comendo o próprio chapéu de raiva.
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